Ciência e arte é coisa séria

Nos últimos anos observamos o crescimento, ou resgate histórico, de um campo que se define pela mistura da arte e da ciência que recentemente nos séculos XIX e XX foram especializando-se em disciplinas distintas resultando nas classes profissionais especializadas representadas por celebridades. Perfeitas para um esquema industrial de produção artística e científica a serem controlados pelos patrões da indústria farmacêutica e mídia que pela obsessão da acumulação de recursos, a ilusão da seleção natural por competição, perderam completamente o interesse na natureza, na beleza, na verdade, e transformaram-se em máquinas, robotizaram os seres humanos. Construíram um sistema de educação cartesiano e artificial que muito mais se presta a mutilar a criatividade humana e preparar gado para o abate diário das tecnocracias. Com isso, há um endeusamento equivocado da tecnologia e da ciência, o fato de possuirmos máquinas engenhosas não revela nada sobre o que nós somos e o que estamos fazendo aqui. Está proibido o livre pensamento pois isso está reservado aos “filósofos e pensadores”, pessoas destituídas de capacidade prática, inúteis numa sociedade de resultados e pragmatismo como a nossa. Entretanto, a ciência sem a filosofia se torna um ignorante poderoso, uma bomba atômica, um alimento transgênico, uma guerra biológica, máquinas de matar homens e gerar lucro para um pequeno grupo de famílias das elites mundiais.

O mais curioso desse processo é que estamos imobilizados numa organização social absolutamente irracional, auto-destrutiva, geradora de miséria e desastre ambiental como nunca antes visto na história, por sermos incapazes de refletir coletivamente e recuperar modos de vida sustentáveis, que não requerem indústrias, nem patrões, nem shopping centers, mas um viver mais próximo da natureza, em casas, com agricultura comunitária e sustentável, com energia solar, eólica, e etc, com o ser humano devotado a produzir mais conhecimento sobre a natureza e a saúde, numa vida de prazer e verdade. Como as sociedades tradicionais, pré-colonização, antes de passar pela máquina destruidora européia cristã, antes de ser dizimados pelas doenças e armas dos brancos, viviam em harmonia com a natureza. Nós brasileiros, que por improváveis circunstâncias históricas conservamos traços dessa culturas, nos terreiros de candomblé, nas aldeias indígenas que resistem, graças à resistência cultural de mães-de-santo, pajés, rezadeiras, que lutam cada vez mais duramente para conservar nosso patrimônio histórico, cultural, científico. Para virar essa mesa, se faz necessário uma aproximação mais direta e verdadeira com a cultura popular, do conhecimento das tradições, de um entendimento mais profundo e reverente ante a natureza, em outras palavras, boa biologia, que definitivamente está muito mais próxima da arte, da filosofia, que da matemática e da estatística. Do que adianta sermos capazes de sequenciar regiões hipervariáveis de anticorpos de diferentes espécies se não temos uma compreensão adequada do que é o organismo, o sistema imunológico e seus componentes. Os cientistas modernos desenvolveram um conhecimento profundo sobre uma franja de universo e fecharam-se no poder de seus gabinetes e programas de pós-graduação, esqueceram-se de confrontar o mundo, encontrar com a realidade, encarar os fatos, pois além do gabinete, fecharam-se no condomínio burguês da sociedade, pensam que o mundo pode ser vislumbrado e entendido a partir de um laboratório, um apartamento na zona sul e um shopping center. Recuperar a linguagem artística significa dizer recuperar a própria expressão, direito inalienável, sua relação com o mundo, ampliar o repertório de ações e emoções de um indivíduo, quer dizer, possibilitar uma vida mais saudável pois não há ser humano que não crie. A utilização de formas mais amplas de comunicação que contemplem as emoções humanas de maneira mais legítima, processos artísticos, é uma virada fundamental para a construção de uma sociedade mais realista, mais próxima de nossos desejos e necessidades. Pode parecer paradoxal, que uma aproximação com a arte possa nos ajudar a perceber o mundo de forma mais completa, mais adequada, mas se consideramos que a arte é uma forma de conhecimento, produto de investigação, experimentação, informação, que claro, deve ter rigor, pesquisa, honestidade como a própria ciência, veremos que temos um grande benefício a conquistar. Nesse movimento não devemos perder tempo com a futilidade intelectual que domina a arte comercial, a investigação formal pura, a nenhuma relação com o mundo, os psicologismos tolos de gente que não fez o dever de casa, que aparece desproporcionalmente graças a um aparato institucional de controle ideológico de fins econômicos. Quer dizer, é uma associação delicada e improvável a ciência e arte, porém necessária para construção de um mundo possível, para que coloquemos nossas certezas para jogo, nos entreguemos ao momento presente, estando prontos para viver um mundo em constante transformação, para responder com consciência aos desafios do século XXI, enquanto cidadãos, cidade e nação. De algum modo, isso é a vocação do povo brasileiro que já possui uma cultura tradicional e popular das mais exuberantes do mundo, que demonstra saberes conservados através de arte, de dança, de cânticos e isso está longe de ser trivial. Basta que reconheçamos a nós mesmos, reencontremos nossas origens, sem temer que os europocêntricos venham a nos considerar primitivos, canibais, mesmo nossa identidade cultural moderna afirmou a antropofagia como mecanismo de formação cultural de nosso país. Devorem os dogmas colonizadores da mente humana. É preciso apenas conhecer a ti mesmo e enxergar as singularidades que te fazem humano, brasileiro, desse tempo histórico em que vivemos, afirmar nossa auto-estima de povo mestiço, tropical, criativo, sensual, alegre, essa é nossa saúde pública.

Mexer com a relação do nosso conhecimento hegemônico, das cátedras e dos púlpitos, é mexer com o que consideramos de mais confiável, a ciência, e aquilo a que pensamos ser nossa expressão, a arte, é algo fundamental no processo de libertação e autonomia, e ao mesmo tempo, significa recuperar o fazer por prazer em cada atividade humana, trabalhar fazendo festa e fazer festa trabalhando, fazer com arte, buscando as essências, as verdades, os sentimentos mais profundos, é rejeitar a burocracia e a alienação de seus sentimentos em trabalhos, que com a finalidade de gerar lucro, não tem qualquer relação com a natureza e a humanidade. Assim, vejo que não há muita opção se quisermos virar a mesa na direção da saúde pública, da solidariedade, da cidadania, entretanto, devemos reconhecer que isso é necessário e urgente, já que não resta dúvidas que estamos vivendo um dos períodos mais violentos, miseráveis e desequilibrados da história humana, estamos inclusive, destruindo o planeta, extinguindo espécies numa velocidade nunca antes vista. É possível mudar, basta colocar as certezas para jogo e viver o presente, conjugar o verbo estar.


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